Conservatória é condenada a observar prazos em pedido de nacionalidade portuguesa

A justiça portuguesa condenou a Conservatória dos Registos Centrais (IRN) a dar tramitação urgente a um pedido de nacionalidade portuguesa por atribuição apresentado por um brasileiro, neto de cidadão português.

O caso pitoresco ficou marcado pelo sarcasmo da Conservatória dos Registos Centrais, e envolveu não só a interpretação do conceito de urgência como também da regra do art. 41 do Regulamento da Lei da Nacionalidade (a seguir reproduzida), que estabelece os prazos para a conclusão do procedimento:

“A Conservatória dos Registos Centrais, no prazo de 30 dias contados a partir da data da recepção das declarações para fins de atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade:

Analisa sumariamente o processo e, caso o auto de declarações contenha deficiências ou não se mostre devidamente instruído com os documentos necessários, notifica o interessado para, no prazo de 20 dias, suprir as deficiências existentes, bem como promove as diligências que considere necessárias para proferir a decisão (…)

Concluída a instrução, o conservador profere decisão, no prazo de 60 dias, autorizando a feitura do registo, sendo caso disso”.

A decisão foi proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 12 de agosto de 2021 e mantida por unaninimidade pelo TCAS em 20 outubro de 2021, com ressalvas (Proc. n.º 1220/21.0BELSB).

Ao recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo o IRN sofreu sua terceira e derradeira derrota: a decisão foi mantida em acórdão de 13 de janeiro de 2022. Conheça abaixo os surpreendentes detalhes do caso.

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O CASO

O requerimento de atribuição da cidadania portuguesa – nacionalidade portuguesa originária para neto de português – foi apresentado pelo cidadão brasileiro de 70 anos de idade no dia 6 de janeiro de 2021.

Em 19 de março de 2021 o brasileiro enviou por e-mail um requerimento de urgência afirmando que sua filha trabalhava na Holanda e precisava do seu apoio psicológico por viver solitária, mas devido às complicações da pandemia e as consequentes restrições à entrada de brasileiros no Espaço Schengen, a demora no exame do pedido poderia violar direitos garantidos pela Constituição Portuguesa.

Concluiu pedindo que o procedimento fosse analisado com urgência, em obediência aos prazos do Regulamento, “permitindo que vá para perto de sua filha para lhe dar o apoio que tanto ela necessita“.

Apenas em 8 de junho de 2021 a Conservatória deu resposta ao pedido de urgência, que foi sumariamente indeferido.

O requerente então pediu à CRC uma certidão sobre o estado do processo, mas foi ignorado.

Inconformado, o neto de português extraiu a consulta online do estado do processo em https://nacionalidade.justica.gov.pt onde constava estar apenas na “Fase 1 – Foi recebido“, sem qualquer movimentação, bem como a informação dada pela própria CRC no sentido de que os processos poderiam demorar até 29 meses para serem concluídos.

Com base nestes documentos, apresentou processo judicial no dia 12 de julho de 2021, reafirmando que não podia ver a filha por conta das restrições de viagem impostas pela União Europeia e pelo Governo Holandês, restrições que seriam superadas se o pedido de cidadania portuguesa fosse analisado no prazo legal.

SARCASMO VS. JUSTIÇA: O QUE DECIDIU O TRIBUNAL

A tese de urgência foi apresentada através de um processo especial de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no art. 109 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Segundo o requerente, não poderia a Conservatória ignorar os prazos previstos no Regulamento, em especial devido à urgência do seu caso.

Em sua defesa, o IRN alegou que atender o pedido resultaria em violação aos princípios da igualdade e proporcionalidade, pois “os mesmos factos, devem ser de igual forma tratados e ponderados“, de modo que seria justificável o atraso da Conservatória dos Registos Centrais.

A CRC não se limitou ao argumento jurídico, lançando em sua defesa uma afirmação ácida, sarcástica e provocativa, que diz em suas entrelinhas que pessoas como o requerente são narcisistas, e só têm, agora, um único objetivo na vida:

Disse que não seria justo aceitar “as motivações subjetivas e narcisistas de cada requerente à nacionalidade portuguesa, que nos tempos atuais, projeta como único fim, ser cidadão europeu“.

A ironia, contudo, pegou muito mal no Tribunal, dando origem a uma autêntica “lição de moral” por parte dos magistrados.

O TCAS destacou que o requerente invocou “uma ameaça incomportável do seu direito à obtenção da nacionalidade portuguesa, consagrado no art. 26.°, n.° 1, da CRP, ameaça essa que decorre diretamente do incumprimento dos prazos legais para decidir o procedimento em causa, por parte do Recorrente“.

Outra alegação destacada pela Corte foi a de que o requerente tinha 70 anos de idade e a esperança média de vida no Brasil é de 76 anos.

Logo, os riscos à saúde e vida das pessoas de mais idade no atual contexto é notório.

Concluíram não haver dúvidas de que o direito à cidadania regulado no art. 26 da Constituição Portuguesa é um direito fundamental e que o requerente invocou questões concretas de urgência.

Em seu ponto mais alto, a decisão faz referência aos prazos previstos no Regulamento da Lei da Nacionalidade:

“O que o legislador pretendeu, ao fixar tais prazos, foi apenas sinalizar claramente que este procedimento deverá correr célere, sendo que uma eventual inobservância dos mesmos não acarreta a extinção do dever de instruir convenientemente o procedimento, não podendo deixar de se ordenar as diligências que considerarem necessárias”.

Com isto, o Tribunal decidiu que a decisão de primeira instância estava correta mas merecia apenas uma ressalva: ao invés de determinar que a Conservatória deferisse o pedido, deveria determina que tramitasse o pedido com precedência sobre os demais, atendendo às razões de urgência comprovadas.

Em conclusão, “reconhecendo-se que a inércia e a demora na atuação da Administração são causas de uma ameaça séria sobre o exercício em tempo útil de direitos conexos ao direito fundamental de aquisição da cidadania portuguesa (…) o pedido de urgência que apresentou no procedimento em apreço não deveria ter sido indeferido, atendendo a todo o supra exposto, pois foram invocadas razões bastantes para o seu deferimento”.

A decisão deixou ao final uma dura lição para a Conservatória dos Registos Centrais:

“Quando tudo é urgente, nada é urgente, mas tal não pode levar a que não se distingam situações que merecem, ainda assim, um tratamento diferenciado por uma particular urgência e premência”.

Em resumo, a justiça portuguesa admitiu que os fatos narrados pelo cidadão brasileiro em seu pedido de atribuição na condição de neto configuravam uma situação de urgência, e que não poderia a Conservatória dos Registos Centrais alegar os seus problemas administrativos para justificar a demora, devendo, neste caso, dar imediata tramitação ao pedido e obedecer os prazos do Regulamento da Lei da Nacionalidade.

DERROTAS FREQUENTES

Esta não foi a única derrota recente e sequencial da Conservatória dos Registos Centrais (IRN) em casos relacionados à cidadania portuguesa.

Em fevereiro de 2022 a justiça administrativa portuguesa reverteu decisão que negava o direito à nacionalidade para neto de cidadão português cuja mãe teve a filiação estabelecida na maioridade (clique aqui para ler), circunstância que demonstra que os entendimentos jurídicos questionáveis e controversos das Conservatórias não têm resistido à intervenção judicial levada a efeito pelos advogados.

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