Usucapião em Portugal: prazos e procedimento

Com origem no direito romano e fortemente presente no direito civil ocidental, o instituto da usucapião permite a aquisição da propriedade pela posse que se estende no tempo e sem oposição.

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Nota: texto redigido em conformidade com a variante brasileira da língua portuguesa.

Apesar de serem estas as bases do instituto, ao longo dos anos as legislações de inspiração romana – como é o caso do Brasil e de Portugal – sofreram ajustes e modificações com o objetivo de moldar a usucapião à sua natureza social, sobretudo no tocante aos prazos diferenciados e à presença ou não de um título ou documentos que indiquem tratar-se de posse de boa-fé ou de má-fé.

Desde a publicação do Código português em 1966, poucas foram as modificações incidentes sobre a matéria, cabendo destacar o Decreto-Lei n.º 273/2001, que alterou a redação do art. 1.295, n.º 2, para estabelecer que a mera posse só é registada em vista de decisão final proferida em processo de justificação, nos termos da lei registral, na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e publicamente por tempo não inferior a cinco anos.

Dez anos depois, no Brasil, foi a Lei nº 12.424/2011 que passou a prever a usucapião

para os que residam por 2 anos em imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade seja dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, desde que não seja proprietário de outro imóvel.

Características

Em Portugal o direito está previsto no art. 1.287 do Código Civil:

“A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião“.

O comportamento do possuidor sobre o bem ao longo dos anos deve demonstrar que este agiu como se fosse seu dono, preservando-o e zelando pela sua posse, que por todo o prazo deve ser pacífica e pública.

A questão da presença ou ausência de um documento e a caracterização da boa-fé terão influência apenas sobre o prazo exigido pela lei, que naturalmente, será menor quando houver titulação e boa-fé.

O reconhecimento do direito à usucapião implica na produção de efeitos retroativos à data na qual a pessoa tomou posse do bem (artigo 1288º do Código Civil).

Embora o instituto seja preponderantemente invocado quando estão em causa imóveis, convém ressaltar que também os bens móveis podem ser adquiridos por usucapião: segundo o art. 1.299 do Código Civil português, em se tratando de bens móveis não sujeitos a registro, a usucapião se concretiza em três anos.

Se sujeitos a registro (ex.: automóveis), havendo posse de boa-fé, título de aquisição e seu registro, o prazo é de dois anos; se caracterizada a posse de má-fé, o prazo é elevado para quatro anos. Ausente o registro, esteja o possuidor de boa-fé ou má-fé, o prazo é único: dez anos.

Nos casos de posse violenta ou oculta, o termo inicial do prazo da usucapião começa a contar a partir do momento em que cesse a violência ou a posse se torne pública (art. 1.297).

Questão relevante diz respeito ao titular do direito que é casado. Há que se observar que os bens adquiridos por usucapião fundada em posse iniciada antes do casamento são considerados bens próprios (bens adquiridos por virtude de direito próprio anterior), nos termos do art. 1.722 do Código Civil português, circunstância que – a depender do regime – poderá influenciar na partilha decorrente de divórcio.

As principais diferenciações de prazos estão mesmo dedicadas aos bens imóveis, motivo pelo qual passamos a analisá-las separadamente abaixo.

Usucapião de imóvel com título de aquisição e registro

Havendo título de aquisição, a propriedade sobre imóvel pela via da usucapião se concretiza em 10 anos a contar do registro de boa-fé. Se o registro é de má-fé, o prazo será de 15 anos (art. 1.294 do Código Civil).

Ao analisar esta hipótese, o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 9 de fevereiro de 2017 reproduziu o teor do art. 1.294 ao decidir que “sendo a posse de boa-fé e havendo título de aquisição e registo deste, é de 10 (dez) anos, contados desde a data do registo – alínea a) do art.º 1294.º do C.Civil – o prazo capaz de legitimar a aquisição do direito de propriedade sobre uma coisa imóvel”“.

Mesmo nos casos em que não houver registro do título aquisitivo, a lei traz prazos diferenciados quando houver registro da “mera posse”, por decisão final em processo de justificação na qual se reconheça a posse pacífica e pública por cinco anos, nos termos do Código do Registo Predial.

Assim, havendo registro da “mera posse” e sendo esta de boa-fé, o prazo será de cinco anos contados da data do registro; se descaracterizada a boa-fé, o prazo será de dez anos (art. 1.295).

Usucapião de imóvel sem título de aquisição e registro

Nos casos em que ausentes tanto o registro do título quanto o registro da “mera posse”, a usucapião terá lugar ao fim de quinze anos, se a posse for de boa-fé, ou vinte anos se de má-fé.

A questão da boa-fé

O conceito de posse de má-fé pouco se diferencia da realidade jurídica brasileira.

De modo bastante resumido, podemos constatar que a legislação portuguesa acresce cinco anos para os possuidores de má-fé, assim entendidos como aqueles que se aproveitam da ausência do proprietário para tomar posse do bem, tendo a plena ciência de que este pertence a outrem.

Equivale a dizer que o possuidor de boa-fé deverá provar que não sabia ou não tinha condições razoáveis de saber que o bem pertencia a uma outra pessoa.

Procedimento

Tal como viria a acontecer no Brasil com o CPC de 2015, a problemática de um processo judicial de usucapião também impulsionou a legislação civil portuguesa no sentido de serem criados mecanismos extrajudiciais de reconhecimento do direito.

Ante a escassez no país de títulos comprovativos do direito de propriedade, o Código do Registo Predial (Decreto-Lei nº 224/1984) sofreu alterações imporrtantes em 2009 com a pubicação do Decreto-Lei n.º 185/2009, que consagrou a possibilidade de se declarar a usucapião por meio do instituto da justificações notariais de direitos para fins de registo predial.

Os procedimentos se iniciam no art. 116 do CRP, no título dedicado ao suprimento, à retificação e à reconstituição do registo, cujo Capítulo I estabelece os meios de suprimento.

As justificações podem ter por objetivo estabelecer o trato sucessivo e a obtenção de primeira inscrição (quando não há título para fazer provar do direito), o reatamento do trato sucessivo, ou novo trato sucessivo que tenha como base o titular do direito justificado por usucapião.

Nos casos mais frequentes – estabelecimento do trato sucessivo – o procedimento normalmente se inicia com um pedido de inscrição na matriz dirigido à Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviços de Finanças), mediante a apresentação da planta da área e suas confrontações.

Após, a Conservatória do Registo Predial deve emitir certidão negativa a fim de se avaliar se o bem imóvel está registrado.

A partir de então se inicia o procedimento notarial de escritura de justificação com a apresentação de três testemunhas que façam prova da posse, para além dos documentos necessários e o pagamento dos emolumentos. Se provada a posse, é dada publicidade à escritura e, ausente oposição, no prazo de 30 dias, a usucapião está concretizada.

Em qualquer caso, a questão pode ser judicializada por meio da ação de impugnação de justificação notarial.

Sobre o tema, decisão de 27 de novembro de 2014 do Tribunal da Relação do Porto determinou que “tendo os réus afirmado em escritura de justificação notarial, a aquisição por usucapião do direito de propriedade, sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo a seu favor, com base nessa escritura, incumbir-lhe-á, em acção de impugnação da justificação notarial, que contra eles venha a ser intentada, o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito, sendo insuficiente invocar a presunção que resulta do artº 7º do Código de Registo Predial“.

Jurisprudência

A usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridicamente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de direitos.

Porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido. (Supremo Tribunal de Justiça, 7.ª Secção, Processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S2, Rel. Silva Gonçalves, julgado em 9/2/2017)

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