O Ego na Advocacia: Entre a Soberba e a Justiça

“Quanto maior o conhecimento, menor o ego; quanto maior o ego, menor o conhecimento.” – Albert Einstein

“A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda.” – Provérbios 16:18

Alguém muito maldoso disse certa vez que advogados nunca podem brincar de esconde-esconde, pois ninguém pode escondê-los do próprio ego.

Falácia.

Mas não se pode negar: a advocacia, desde seus primórdios, sempre foi uma profissão cercada por prestígio e respeito. E egos. 

Certamente nos seus anos de faculdade você logo notou que o universo do direito é fértil em soberba. Pelos corredores dos fóruns, egos mais cheios que mala de contrabandista.

Sabichões e suas retóricas proliferam nesse ambiente.

No passado advogar era uma atividade restrita à aristocracia e à elite.

Na Roma Antiga, muitos advogados eram senadores ou pertenciam à classe patriciana, como Cícero, que era um orador e advogado de grande prestígio e influência.

O ar de superioridade e a empáfia muitas vezes se alimentavam dessa posição privilegiada.

Nos dias atuais, com o advento das redes sociais, a popularização da profissão e a hiperconexão, o desafio de lidar com o ego se tornou ainda mais complexo.

Uma história de egos e aprendizados na misteriosa Londres dos anos 80

O Caso Fletcher: entre egos e nuvens na Londres dos anos 80

Londres, anos 80.

Uma cidade pulsante com as batidas sombrias do movimento gótico. Jovens vestidos de preto vagavam pelas ruas cobertas de névoa, e a advocacia criminal ganhava as capas dos tabloides e jornais.

Era uma era de excessos, de mistérios urbanos e, claro, egos inflados.

Henry Fletcher era um jovem advogado, recém-formado e ansioso para deixar sua marca no mundo jurídico.

Morador de East End, Fletcher era um idealista.

Após bater em muitas portas ele enfim conseguiu uma posição de assistente no renomado escritório de advocacia criminal de James Carlisle, um dos mais brilhantes e arrogantes advogados da época.

O salário era vergonhoso, mas Fetchler estava disposto até mesmo a pagar para aprender.

Carlisle era conhecido por sua habilidade de manipular o tribunal com sua confiança cega e presença intimidante.

Seus casos sempre envolviam tramas misteriosas e absolvições inesperadas.

Sua reputação era lendária, mas seu ego era ainda maior.

A primeira grande oportunidade de Henry surgiu com um caso que havia se tornado o assunto em todos os cafés.

Uma jovem pertencente à cena gótica havia sido acusada de um crime brutal.

A imprensa a apelidara de “A Dama das Sombras”.

Carlisle, vendo o caso como mais uma oportunidade para alimentar sua notoriedade, aceitou defendê-la, mas não percebeu que a tarefa não seria fácil.

Com sua usual arrogância, Carlisle subestimou a complexidade do caso.

Desde o primeiro dia no escritório ele tratou Henry com desdém, delegando a ele tarefas menores e ignorando suas sugestões.

Deixo o trabalho braçal para assistentes novatos como você, Fletcher. Eu cuido do espetáculo. Aproveite e traga-me um café“, dizia ele com um sorriso sarcástico.

Henry não se deixou abater.

Ecoava em sua mente a frase de sua mãe, dita no primeiro dia de aula na faculdade: “Mantenha sua integridade e suas ações falarão alto.”

A soberba do senior o fez mergulhar de cabeça na investigação, desenterrando pistas cruciais que Carlisle, em sua cegueira egóica, havia negligenciado.

Henry descobriu o testemunho chave de um zelador que trabalhava em um dos antigos prédios abandonados da cidade.

O homem, esquecido por todos, tinha observado detalhes importantes na noite do crime.

Na manhã do julgamento Carlisle estava radiante, portando seu charuto cubano, pronto para mais uma performance triunfal.

Na última reunião, quando Henry tentou informar Carlisle sobre suas descobertas, foi bruscamente interrompido.

“Não precisamos desses detalhes triviais, Fletcher. Eu já tenho tudo sob controle e não é um advogadinho recém-formado do subúrbio que irá dizer como devo trabalhar”, bradou Carlisle, entrando na sala do tribunal com seu característico ar de invencibilidade.

Mas o tribunal é um lugar onde a confiança em excesso sofre severas punições.

Durante o interrogatório, a defesa de Carlisle começou a desmoronar sob o peso de provas que ele havia negligenciado.

A promotoria trouxe à tona inconsistências que ele não conseguiu refutar.

Confrontado com uma fotografia que mostrava a jovem se dirigindo à cena do crime, Carlisle gaguejou.

Aos olhos do júri, a “Dama das Sombras” estava condenada.

Foi então que Henry lembrou-se da frase de sua mãe e decidiu correr o risco de ser humilhado.

Estava em jogo a liberdade de uma inocente.

E a carreira de um jovem advogado.

Com uma coragem nascida do desespero e da convicção, levantou-se e pediu ao juiz para apresentar uma nova testemunha.

Surpreso, mas curioso, o juiz consentiu.

Carlisle ficou boquiaberto com a intrepidez do novato, e para evitar nova gagueira, manteve-se calado.

O zelador foi chamado ao banco das testemunhas e, com sua voz trêmula, revelou detalhes sombrios que mudaram o curso do julgamento.

Carlisle, vendo o renovo de esperanças para a defesa, tentou recuperar a palavra para que a imprensa o considerasse o autor da façanha.

Mas era tarde.

O testemunho trazido por Henry desmontou a narrativa da promotoria.

“A Dama das Sombras” foi absolvida e a sala do tribunal explodiu em murmúrios e aplausos.

O nome de Henry rapidamente ecoou nos tabloides, e todos queiram saber quem era o jovem advogado que revertera o cenário de certa condenação.

No final do dia, Carlisle, envergonhado mas com um brilho de respeito nos olhos, empunhou uma dose de Macallan aproximou-se de Henry.

“Fletcher”, disse ele, “subestimei você e seu trabalho, garoto. Hoje aprendi uma lição sobre humildade.”

Henry sorriu, reconhecendo o raro momento de vulnerabilidade de Carlisle.

“Obrigado, senhor. Apenas fiz o que achei que era certo”, disse.

Naquela noite, enquanto a névoa se assentava sobre as ruas soturnas de Londres, Henry caminhou para casa sentindo-se mais confiante.

Ele havia aprendido que no mundo da advocacia, a humildade pode subjugar o maior dos egos.

E naquela Londres oitentista, envolta em mistérios e sombras, a verdade brilhava mais intensamente quando revelada por quem estava disposto a ouvir e aprender.

 

Filosofando

A filosofia nos ensina a questionar o ego, a reconhecê-lo e dominá-lo, buscando um entendimento mais profundo de nós mesmos.

Já se disse que “aquele que conhece a si mesmo é iluminado”.

No universo jurídico, é essencial que os advogados pratiquem a autoconsciência e a humildade genuína, evitando a ilusória vanglória que salta da pompa dos tribunais, com suas becas, ternos, gravatas, saltos, narizes empinados e peitos estufados.

Por mais que o sucesso em um famoso caso nos leve a crer que somos super heróis, devemos reconhecer nossa limitações e lembrarmos da necessidade constante de aprendizado.

Jean-Paul Sartre nos lembra da importância de criar um sentido genuíno em nossa prática.

Sartre argumenta que a existência precede a essência, sugerindo que somos responsáveis por criar nossos próprios valores e significados.

Para o advogado, isso significa que cada caso é uma oportunidade de moldar a justiça de acordo com princípios éticos e morais, mesmo em um mundo imperfeito e, como dizem alguns, doentio.

Sócrates, por meio dos diálogos de Platão, frequentemente destacava a relevância do autoconhecimento e do controle dos desejos. Ele sustentava que uma vida refletida e o entendimento profundo de si mesmo eram essenciais para atingir a virtude e a felicidade.

Nietzsche apresentou uma visão única sobre o ego. Ele desafiou a moralidade convencional e incentivou a superação do “eu” por meio da vontade de poder.

Para Nietzsche, o ego era algo a ser ultrapassado para alcançar um nível superior de existência, representado pelo “Übermensch” ou “super-homem”.

O ego é sombra que nos acompanha ainda quando não há sol.

Em dias ensolarados, a sombra pode parecer maior do que nós mesmos, mas à medida que o sol se põe, ela se dissipa, revelando nossa essência.

O advogado deve aprender a controlar essa sombra, mantendo-se fiel aos seus valores e princípios de justiça e ética.

O advogado deve ser como um espelho, refletindo a voz da justiça, mas nunca se deixando cegar pelo próprio reflexo.

O ego inflado o distorce, criando uma imagem falsa de si mesmo.

Em nossa profissão isso significa que devemos agir com integridade e respeitar a dignidade de todos, independentemente do status ou reconhecimento.

Em muitas sociedades, o verdadeiro respeito e prestígio vêm da contribuição para o bem comum, e não da exaltação do ego.

Devemos advogar não apenas para vencer, mas para garantir que a justiça seja feita mesmo quando não há holofotes.

 

Conselhos Práticos

A prática da advocacia exige mais do que conhecimento técnico e habilidades retóricas.

Requer uma profunda autoconsciência e humildade.

Reserve tempo para refletir sobre suas motivações e ações.

O ego deve ser um servo, não um mestre.

Encontre momentos de silêncio e introspecção, talvez através da meditação, do silêncio, da contemplação ou da oração, para se reconectar com seus valores essenciais.

É na quietude que encontramos a clareza para discernir nossas verdadeiras motivações e evitar as armadilhas do ego.

A humildade nada tem a ver com pobreza.

É na verdade a mãe do aprendizado.

Uma pessoa que não é humilde não compreende a necessidade de aprender, pois se julga auto suficiente.

Por não precisar aprender, atira-se no pântano da ignorância e se afoga no lodo da soberba.

Busque a humildade genuína em todas as suas interações, adotando uma posição de aprendiz, ainda que seja mestre.

Como diz um provérbio oriental, “a sabedoria entra pela orelha, não pela boca“. 

Lembre-se de que, independentemente do prestígio, todos somos aprendizes na busca pela justiça.

Do mais rico e famoso advogado da cidade ao mais pobre estudante de direito, somos todos discípulos.

Mantenha os pés no chão e lembre-se do propósito maior da advocacia, ainda que este propósito envolva uma meta financeira.

Priorize a ética e a integridade acima de tudo.

A confiança que seus clientes e colegas depositam em você é inestimável.

Conquiste-a e mantenha-a com ações corretas.

Estabeleça um código pessoal de ética e revisite-o regularmente para garantir que suas ações estejam sempre alinhadas com ele.

A integridade é a base sobre a qual se constrói uma carreira duradoura e respeitada. É uma poderosa armadura contra os ataques do ego: o seu ou o alheio.

Seja autêntico em todas as circunstâncias.

Não se deixe levar pela pressão e pelos modismos das redes sociais.

Busque reconhecimento através do trabalho genuíno e da oferta de serviços jurídicos que agreguem valor à sociedade.

Evite a tentação de se comparar com outros: cada advogado tem uma jornada única e valiosa, e os que mais faturam são quase sempre os mais discretos.

Priorize o caminho que é apenas seu.

Lembre-se que a autenticidade é um farol que atrai aqueles que buscam a verdade e a justiça, e repele as trevas.

 

Conclusão

O ego é parte da experiência humana.

Em uma profissão tão desafiadora e tradicionalmente “pomposa” como a advocacia, ele frequentemente está inflado.

O ego desempenha um papel na sobrevivência profissional, impulsionando os advogados a afirmar suas habilidades, a defender seus clientes com vigor e a buscar justiça, buscando também notoriedade.

É a força que os motiva a conquistar vitórias e alcançar reconhecimento na profissão.

No entanto, um ego inflado pode facilmente levar à soberba, resultando em arrogância, insensibilidade e desconexão com colegas e clientes.

Advogados com egos descontrolados podem se tornar obstinados, menos propensos a ouvir e a valorizar as perspectivas dos outros, o que pode prejudicar a colaboração e a tomada de decisões eficazes.

Para garantir uma prática jurídica equilibrada e eficaz, é fundamental domar esse pseudo-vilão, o ego.

Isso envolve cultivar a humildade, reconhecer que a advocacia é uma profissão de serviço e manter sempre em mente os princípios de justiça e equidade.

Ao moderar o ego, os advogados podem evitar conflitos desnecessários, construir relacionamentos mais fortes e cooperativos, e tomar decisões mais ponderadas e éticas.

A maestria no direito não reside apenas em habilidades técnicas, mas também na capacidade de equilibrar confiança com sobriedade e recato, assegurando que a busca pela justiça permaneça sempre no centro de suas ações.

Ao praticarmos a autoconsciência e a humildade, podemos transcender as limitações do ego e nos tornar servos da justiça.

Afinal, se o ego inflado é como uma nuvem que bloqueia a luz do sol, o ego equilibrado faz brilhar a luz natural do verdadeiro ser.

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