No dia 27 de janeiro de 2022 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu mais uma decisão que ampliou a divergência jurisprudencial sobre a (im)possibilidade de se homologar em Portugal – por ação especial de revisão de sentença estrangeira – as escrituras notariais que atestam a união de facto.
A Corte analisou declarações estatutárias emitidas na Inglaterra perante notário (statute declarations), tendo por conteúdo a afirmação de que os declarantes vivem em união de facto.
O Dias Rodrigues Advogados [Julian Dias Rodrigues, Direito Internacional Privado] é um escritório de advocacia internacional com ampla experiência em matéria de direito de família português e reconhecimento de união de facto em Portugal para fins sucessórios e de aquisição da nacionalidade portuguesa.
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O CASO
A ação foi apresentada em novembro de 2021 por um cidadão português e um cidadão britânico, tendo como base uma Escritura de Declaração Estatutária de União de Facto firmada em julho daquele ano no Notário Público em Londres, Reino Unido.
O casal afirmou que a Escritura é um documento legal que na Inglaterra corresponde a uma sentença, conferindo aos declarantes o estatuto de relação equiparada à dos cônjuges nos termos do direito britânico.
O Tribunal português analisou o Civil Partnership Act de 2004 emitido pelo Parlamento do Reino Unido.
Para a Corte, a civil partnership correspondente à união de facto portuguesa se formaliza por meio de registro perante um registry office, que resulta na assinatura de um civil partnership document perante o oficial de registro, com a presença de duas testemunhas (art. 2.º, Section 2).
A decisão destaca que a lei britânica considera que o simples acordo de união de facto (civil partnership agreement) não tem qualquer força jurídica (“does not under the law of England and Wales have effect as a contract giving rise to legal rights“, conforme dispõe o art. 75).
Tendo por base os acórdãos do próprio TRL que no passado admitiram a revisão de escritura pública de união estável de origem brasileira, o Relator se justificou: “A situação jurídica trazida a estes autos não é análoga à união estável reconhecida no Brasil. O instituto jurídico britânico equivalente à união estável brasileira, previsto e regulado no Reino Unido, é a civil partnership“.
Após longa análise do Civil Partnerships, Marriages and Deaths Act de 2019, do acórdão no caso Steinfeld vs. Secretary of State for International Development de 2018, do Welfare Reform Act de 2012, do Statutory Declaration Act de 1835 e até mesmo das consequências do BREXIT, o Tribunal afirmou que:
“Esse documento não produz, na ordem jurídica britânica, efeitos jurídicos que vão além da mera força probatória da declaração. Dela não nasce a relevância jurídica de uma relação de união de facto. A referida declaração formal é apenas um elemento acrescido que a autoridade que tiver de decidir acerca da concessão de uma pretensão dependente da relação de união de facto considerará para decidir, ou não, favoravelmente ao requerente”.
Voltando ao exemplo brasileiro, o acórdão destaca que “contrariamente ao que ocorre no Brasil, onde o casamento e a união estável podem ser dissolvidos mediante escritura notarial, no Reino Unido o divórcio e a dissolução da civil partnership carecem da intervenção de um tribunal conforme o Matrimonial Causes Act 1973, e quanto à dissolução da civil partnership, o art. 37 da Civil Partnership Act 2004“.
Em conclusão, a Relação de Lisboa rejeitou o pedido por considerar que a “declaração estatutária” ou “statutory declaration” não equivale no Reino Unido – nem em Portugal – a uma sentença ou decisão judicial, não produzindo os respectivos efeitos.
ESCRITURA PÚBLICA DE UNIÃO ESTÁVEL BRASILEIRA: A DIVERGÊNCIA CONTINUA
Embora o Tribunal da Relação de Lisboa tenha publicado entre 2019 e 2021 uma série de acórdãos que admitem a homologação de uma escritura pública de união estável lavrada no Brasil, por meio da ação de revisão de sentença estrangeira, não há consenso quanto à matéria. Pelo contrário: a divergência é acirrada.
Na maioria dos casos os pedidos são formulados no contexto da aquisição da nacionalidade portuguesa pela união de facto.
Ao menos três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça contrariam a tendência da Relação de Lisboa (Processo 106/18.0YRCBR.S em 28/02/2019, Processo 559/18.6YRLSB.S1 em 21/03/2019 e Processo 249/18.0YPRT.S2 em 10/12/2019).
Para o STJ, “a declaração dos requerentes numa Escritura Pública Declaratória de União Estável, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião) de que vivem em união de facto desde Julho de 2013, não deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 978º nº 1, do CPC, não podendo ser revista e confirmada para produzir efeitos em Portugal” (Processo 249/18.0YPRT.S2).
No entanto a divergência segue aberta no próprio STJ.
No dia 8 de setembro de 2020 a Corte decidiu que:
“Uma ESCRITURA PÚBLICA DE DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, outorgada no TABELIÃO DE NOTAS que refere “Os contratantes reconhecem expressamente, o fato de estarem vivendo como se casados fossem, desde janeiro de 2005” e que, “Assim o disseram, dou fé, pediram-me e lhes lavrei este instrumento, o qual feito e lido em voz alta, foi achado conforme, aceitaram, outorgam e assinam, juntamente com as testemunhas, a todo ato presentes”, é suscetível de ser revista e confirmada, nos termos dos arts. 978.º e ss. do CPC” (Processo n.º 1884/19.4YRLSB.S1).
Para alcançar este entendimento, o então Relator Jorge Dias afirmou que “a união estável é um facto e não um ato jurídico. A intervenção do oficial público prevista no sistema jurídico … é constitutiva, no sentido de produzir efeitos na ordem jurídica, nomeadamente o declarativo da verificação da situação de união estável“.
Como visto, enquanto não resolvida em recurso de uniformização de jurisprudência, a matéria promete continuar sendo objeto de franca controvérsia, não apenas no Tribunal Relação de Lisboa como também no Supremo Tribunal de Justiça, em claro prejuízo à segurança jurídica.
Significa dizer que nos tempos atuais, uma escritura pública de união estável lavrada no Brasil tanto pode quanto não pode ser revista e homologada em Portugal: tudo dependerá da posição adotada pelos Juízes Desembargadores ou Juízes Conselheiros responsáveis pelo caso (e claro, da maior ou menor habilidade do advogado da parte autora na condução do caso à uniformização da jurisprudência).
O Dias Rodrigues Advogados – Julian Dias Rodrigues, Direito Internacional Privado é um escritório de advocacia internacional com ampla experiência em matéria de reconhecimento de união de facto em Portugal para fins sucessórios e de aquisição da nacionalidade portuguesa.
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