União de Facto e Cidadania Portuguesa em 2024: ação judicial de reconhecimento de união estável

A cidadania portuguesa pela união de facto é uma das modalidades de aquisição da nacionalidade portuguesa mais comentadas nos últimos anos, objeto de inúmeras propostas de alterações legislativas.

Ao lado da filiação estabelecida na maioridade e o novo art. 14, é uma das hipóteses legais que repercute de forma direta no judiciário português, por demandar um processo judicial.

É destinada aos que vivem “como se casados fossem” mas não formalizaram o matrimônio por via de uma certidão em cartório.

São os companheiros, conviventes, popularmente conhecidos como “amasiados” ou “casados sem certidão”, coabitantes e afins, que se moldam à noção de união estável no Brasil.

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É um direito conferido aos companheiros de portugueses, previsto no art. 3.º da Lei da Nacionalidade e no art. 14.º do seu Regulamento.

A norma permite que estrangeiros que vivem em união de facto com cidadãos portugueses há ao menos três anos possam se tornar portugueses, tal como ocorre com os casados.

Este informativo aborda de forma mais específica o processo judicial necessário para que a união estável surta efeitos em Portugal, para os fins da legislação portuguesa sobre nacionalidade.

Base Legal

Art. 3.º da Lei n.º 37/81:

“O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.

A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa-fé.

O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.”

Art. 14.º do Decreto-Lei n.º 237-A/2006:

O estrangeiro casado há mais de três anos com português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo.

O estrangeiro que coabite há mais de três anos com português em condições análogas às dos cônjuges, independentemente do sexo, se quiser adquirir a nacionalidade deve declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto.”

Ação Judicial para Reconhecimento da União de Facto (união estável) visando a nacionalidade portuguesa

A ação judicial para o reconhecimento da união de facto é obrigatória para que o estrangeiro possa solicitar a nacionalidade portuguesa.

Esta ação tramita sob a forma de ação declarativa comum, a forma de processo comum prevista a partir do art. 548 do Código de Processo Civil (CPC) português.

Todas as provas acerca da união devem ser produzidas em audiência, incluindo depoimentos do casal e testemunhas, tratando-se este de um processo judicial no qual o juiz e o Ministério Público efetivamente se põem a investigar, ativa e atentamente, a existência de uma relação de união.

A sequência dos atos a realizar na audiência final está no art. 604 do CPC, e o primeiro deles será o depoimento das partes.

O advogado deve em sua petição inicial afirmar que o casal coabita e vive “em comunhão de mesa e cama”, como casados, sem rupturas, observados os parâmetros do direito português para a situação jurídica de união de facto.

A petição inicial deve observar o art. 552 do CPC e seguir a forma articulada de redação (art. 147).

A Petição Inicial: A ação deve ser apresentada por meio eletrônico (arquivos PDF através do sistema CITIUS) ao tribunal cível do domicílio do casal (ver adiante a questão da divergência jurisprudencial acerca do juízo competente).

Se residem no estrangeiro, a competência será de Lisboa (art. 80, n.º 3, do CPC).

A petição deve incluir todas as provas documentais que demonstrem a coabitação e a união de facto, além do rol de testemunhas e eventual pedido de depoimento das partes.

Certidões de nascimento de inteiro teor que provem a ausência de impedimentos devem ser juntadas. Se documentalmente as partes forem casadas, e os antigos relacionamentos ainda estão em aberto nas certidões, tudo deverá ser antes regularizado.

A Audiência de Julgamento: O processo civil declarativo em Portugal divide-se em duas audiências: a prévia e a final (ou “de julgamento”).

Dada a natureza da ação (o casal unido de facto estará no polo ativo e o Ministério Público será o réu, na condição de representante estatal), via de regra a audiência prévia é dispensada.

O juiz ouvirá as partes e as testemunhas, analisará provas como fotografias, correspondências, contas conjuntas, seguros de saúde, viagens em conjunto, existência de filhos e pets, e outros elementos que comprovem a união.

Ao final o advogado tem a palavra para as alegações orais, na forma do rito processual declarativo.

Ainda que se preveja a vídeo-conferência em audiências no direito português, ainda é comum vermos juízes exigindo a audiência tradicional, leia-se, presencial, de modo que as partes devem estar cientes quanto à possibilidade de lhes ser exigida a presença no tribunal, por ocasião da audiência de julgamento.

Sentença e Certidão: Caso a união de facto seja reconhecida, ou seja, sendo a ação julgada procedente, o tribunal emitirá uma sentença em 30 dias (art. 607, n.º 1, do CPC). O advogado deve fazer uma leitura atenta da decisão, pois detalhes relativos a datas e menções ao registro civil poderão ser complicadores no futuro pedido de nacionalidade.

Superado o prazo dos recursos, a decisão dará origem a uma certidão judicial eletrônica.

Esta certidão em arquivo PDF dará base ao pedido de nacionalidade, que poderá então ser enfim apresentado.

Requisitos da União de Facto segundo a lei portuguesa (Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio)

A Lei n.º 7/2001 estabelece os requisitos para o reconhecimento da união de facto em Portugal.

Exige-se a coabitação: as partes devem coabitar há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.

Como já mencionado, podem ser usadas diversas formas de prova para demonstrar a união, tais como contas conjuntas bancárias, seguros de saúde conjuntos, fotografias e vídeos, correspondências, contratos de arrendamento que demonstrem a coabitação, registros das finanças, testemunhos de familiares e amigos, registros de reagrupamento familiar na condição de unido de facto, etc.

Embora possa parecer inusitado, já vimos em audiência de julgamento juízes que se interessaram por saber da vida sexual das partes.

Nao obstante pareça algo inconveniente ou exagerado, esse fato mostra que a coabitação é mesmo um fator que prepondera no exame da prova.

Correlação da Lei da União de Facto com a Lei da Nacionalidade para fins de Nacionalidade Portuguesa

A Lei e seu Regulamento (Lei n.º 37/81 e o Decreto-Lei n.º 237-A/2006) exigem que a união de facto seja reconhecida judicialmente antes que o pedido de nacionalidade possa ser feito.

Se compararmos a Lei da Nacionalidade à Lei da União de Facto, veremos que a Lei n.º 7/2001 requer coabitação e vida comum por dois anos, ao passo que a Lei n.º 37/81 exige coabitação de três anos para a aquisição da nacionalidade.

A Lei n.º 7/2001 aceita uma ampla gama de provas para estabelecer a união de facto, sendo a mais conhecida a prevista no seu art. 2.°-A:

“No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles“.

Já a Lei n.º 37/81 e o Decreto-Lei n.º 237-A/2006 induzem à aceitação de provas similares, incluindo documentos oficiais e testemunhos, mas a ênfase está na necessidade de uma sentença judicial reconhecendo a união de facto, “em tribunal cível”.

Logo, a Lei n.º 7/2001 permite que o reconhecimento seja feito por meio de um registo ou declaração, mas para os fins da Lei da Nacionalidade Portuguesa o reconhecimento deve ser judicialmente obtido e é um pré-requisito para o pedido de nacionalidade.

Equivale a dizer que uma declaração de junta de freguesia ou qualquer declaração nesse sentido serve apenas como meio de prova para a ação declarativa de reconhecimento de união de facto.

O mesmo se aplica à Escritura Pública brasileira de união estável (ver adiante a jurisprudência a esse respeito).

Custas Judiciais

As custas judiciais para esta ação resultam em EUR 612 (6 unidadesde conta), mas pode-se optar por pagar metade no início e a outra metade após o agendamento da audiência de julgamento.

Devemos lembrar que ações sobre o estado das pessoas – caso da união de facto – podem ser dispensadas do pagamento prévio da taxa de justiça, na forma do art. 15, n.º 1, al. e) do Regulamento das Custas Processuais.

Equivale a dizer que é possível dar início à ação ser pagar custas judicias de imediato.

Prova de Ligação à Comunidade Portuguesa

De acordo com o art. 56, n.º 5, do Regulamento da Lei da Nacionalidade (Decreto-Lei n.º 237-A/2006), a ligação efetiva à comunidade portuguesa é presumida quando o interessado preenche certos requisitos, como ser natural de um país de língua oficial portuguesa ou coabitar com um português há mais de cinco anos.

Se a união decorre há pelo menos seis anos ou há filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa, incide também a presunção.

Jurisprudência e Homologação de Escrituras

O STJ de Portugal já uniformizou o entendimento segundo o qual a escritura pública brasileira de união estável não pode ser homologada diretamente em Portugal via ação de revisão de sentença estrangeira:

“A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil não constitui uma decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados; daí que não seja susceptível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos arts. 978.º e ss. do Código de Processo Civil.” (STJ, Proc. 151/21.8YRPRT.S1-A, 19/10/2022)

Com este panorama, a estratégia pode ser obter uma sentença judicial no Brasil e depois homologá-la em Portugal por revisão de sentença estrangeira.

Contudo tal caminho implica mover dois processos judicias, podendo ao final o Tribunal da Relação apontar alguma vicissitude que resulta na não revisão da sentença (já vimos isto acontecer em sentença brasileira proferida em dias, com urgência, em julgamento antecipado da lide, sem exame de provas em audiência).

Ao mover a ação diretamente em Portugal tem-se uma decisão que pode ser utilizada direta e imediatamente no pedido de nacionalidade.

Por esse motivo temos recomendado este caminho aos nossos clientes, salvo na hipótese de já existir uma sentença judicial brasileira, transitada em julgado, que reconheça a união estável.

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Juízo Local Cível ou Juízo de Família e Menores

Há divergência jurisprudencial sobre o juízo competente para decidir: a ação deve ser movida nos Juízos Locais Cíveis ou nos Juízos de Família e Menores?

Alguns juízes argumentam que, devido à natureza das questões familiares envolvidas na união de facto, as ações devem ser julgadas pelos Juízos de Família e Menores.

Sustentam que a união de facto, até mesmo por sua semelhança com o casamento, encaixa-se no âmbito das questões familiares que os Juízos de Família e Menores tradicionalmente resolvem, nos termos da LOSJ.

Por outro lado, prevalece atualmente a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, que entende que essas ações devem tramitar nos Juízos Locais Cíveis, pois a Lei de Nacionalidade faz referência a “tribunal cível”.

A questão já passou pelo STJ. A Corte decidiu em 2021 que “face à atribuição específica de competência constante do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, os tribunais de família e menores não são competentes para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa” (Proc. 286/20.4T8VCD.P1.S1).

O principal argumento é que a Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81) é uma legislação especial em relação à Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).

A divergência, contudo, ainda não foi resolvida por acórdão uniformizador, havendo quanto a este aspecto, hoje, uma certa insegurança jurídica que provavelmente será sanada em breve.

Apostamos que vencerá a tese que defende ser competente o juízo local cível, a qual temos seguido nos casos sob nossos cuidados.

Fazemos isto por pragmatismo e por colocar os interesses de nossos clientes em primeiro lugar, pois do ponto de vista jurídico crítico, o fazemos a contragosto.

Entendamos que a LOSJ é posterior à Lei da Nacionalidade, e inseriu com clareza as questões sobre união de facto nas competências dos juízos de família e menores.

Conclusão

A aquisição da nacionalidade portuguesa pela união de facto envolve hoje uma sequência de processos complexa, por se exigir que a união tenha passado pelo crivo judicial, ou seja, antes de requerer a nacionalidade, exige-se que uma decisão proferida por um juiz tenha analisado provas de que a união perfaz o tempo mínimo exigido pela Lei (3 anos, observadas as presunções do art. 56, n.º 5, do Regulamento).

Mais que conhecimento sobre procedimentos administrativos de nacionalidade portuguesa, exige-se um entendimento profundo e detalhado da legislação processual civil em Portugal.

Advogados e requerentes devem estar atentos às especificidades do processo, garantir a produção adequada de provas e compreender as nuances da jurisprudência atual para ter êxito na almejada cidadania portuguesa.

 

Palavras-chave: Cidadania Portuguesa, União de Facto, Nacionalidade Portuguesa, Reconhecimento de União Estável, Ação Judicial, Lei n.º 37/81, Decreto-Lei n.º 237-A/2006, Lei n.º 7/2001, Código de Processo Civil Português, STJ Portugal, Homologação de Sentença Estrangeira, Coabitação, Prova de Ligação à Comunidade Portuguesa.

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