Paciência: Uma Virtude de Ouro na Advocacia

A paciência é uma virtude muitas vezes subestimada.

Especialmente na advocacia, onde a pressão constante, os prazos apertados e a necessidade de resultados rápidos podem tornar essa qualidade difícil de cultivar.

Um velho humorista pernambucano, ao fazer piadas sobre a pressa, dizia que “quem não é paciente acabará se tornando paciente”, fazendo alusão aos acidentes causados pela velocidade no trânsito.

Pensadores ao longo dos séculos têm destacado a importância da paciência como uma virtude essencial para a vida e a profissão.

Na advocacia, a paciência enfrenta diversos desafios: negociações que se arrastam, processos judiciais prolongados, alterações legislativas que demoram a ser implementadas, e outras questões que testam a capacidade do advogado de administrar o tempo de forma eficiente.

Com as redes sociais, proliferam os gurus que afirmam ser possível alcançar o sucesso profissional (e muito dinheiro…) em poucos meses (semanas, dias…).

São situações que exigem a capacidade de esperar e manter a calma, mesmo quando a ansiedade ameaça tomar conta.

Tal como o agricultor que precisa plantar suas sementes, cuidar do solo e esperar o tempo necessário para a colheita, um advogado precisa semear argumentos, cultivar relações e esperar o tempo certo para colher os frutos de seu trabalho.

A ansiedade ou a pressa podem levar a decisões precipitadas e à desistência.

Neste texto exploraremos essa virtude através de reflexões e de um caso que ilustra como a paciência pode ser determinante para o sucesso na advocacia.

O Caso: Em Lisboa, um duelo entre a pressa e a paciente serenidade

João, um advogado brasileiro com uma carreira promissora, estava prestes a enfrentar um dos maiores desafios de sua vida profissional.

Ele tinha uma audiência importante marcada em Lisboa, onde representaria um cliente em um caso complexo de direito internacional. João era conhecido por sua competência e conhecimento jurídico, mas também por sua impaciência. Ele acreditava que velocidade e agressividade eram as chaves para vencer qualquer causa.

Na véspera da audiência, João não conseguia dormir.

A ansiedade o consumia, e sua mente estava repleta de cenários catastróficos. Na manhã seguinte, ele chegou ao tribunal exausto e nervoso. Enquanto esperava para ser chamado, cada minuto parecia uma eternidade, e sua impaciência começou a transparecer.

Ele interrompia o juiz, impacientava-se com as perguntas da oposição e demonstrava irritação sempre que as testemunhas demoravam a responder.

Durante um intervalo entre as sessões, João saiu para tomar um ar e tentar acalmar seus nervos.

Foi então que ele notou um homem mais velho sentado tranquilamente em um banco próximo. O homem estava lendo um livro, completamente alheio à agitação ao seu redor. Intrigado pela calma do homem, João se aproximou e, com um suspiro pesado, disse: “Como você consegue ficar tão calmo em um dia como este?”

O homem levantou os olhos do livro e sorriu. “A paciência é uma virtude que se aprende com o tempo, meu jovem. Eu sou Manuel, um advogado veterano aqui em Lisboa. Posso perceber que você está bastante ansioso. Talvez eu possa ajudá-lo.”

Manuel ofereceu a João um café, e durante a conversa, compartilhou algumas histórias de sua própria carreira, destacando momentos em que a paciência fez toda a diferença.

Ele contou como, em uma de suas primeiras grandes audiências, a pressa quase o levou a cometer um erro grave.

“Era um caso complexo de fraude financeira,” começou Manuel, seus olhos fitando a xícara de café como se relembrasse cada detalhe.

“Eu estava ansioso para impressionar o cliente e o tribunal. A audiência estava marcada para uma tarde de sexta-feira, e eu queria resolver tudo antes do fim de semana. No calor do momento, apresentei uma prova crucial sem verificá-la adequadamente. Parecia ser o documento perfeito para incriminar a parte adversa.

Manuel fez uma pausa, observando a reação de João antes de continuar.

“Foi então que a defesa pediu uma revisão detalhada da prova. Eles apontaram uma discrepância no documento, uma pequena assinatura que não deveria estar lá. Se tivessem razão, todo o caso poderia desmoronar. Meu cliente perderia a confiança em mim, e minha reputação estaria em jogo.”

João olhou para Manuel, surpreso. “O que você fez?”

Foi um momento de grande tensão,” Manuel disse calmamente.

“Mas, em vez de entrar em pânico, pedi ao tribunal um adiamento para o próximo dia útil. Usei o fim de semana para revisar cada detalhe daquele documento. Descobri que, de fato, a assinatura era uma falsificação adicionada pela parte adversa para nos incriminar. Na segunda-feira, apresentei minhas descobertas ao tribunal, com todas as provas devidamente verificadas. Ganhei o caso, mas aprendi uma lição valiosa sobre a importância de não deixar a pressa comprometer a precisão.”

Inspirado pela calma e pela sabedoria de Manuel, João decidiu mudar sua abordagem.

Ao voltar ao tribunal, ele começou a ouvir com mais atenção, a responder com mais calma e a apresentar seus argumentos de maneira mais serena e estruturada.

O impacto foi notável.

O juiz começou a prestar mais atenção aos argumentos de João, a oposição perdeu a vantagem que tinha obtido devido à impaciência de João.

O momento mais dramático veio quando, durante a apresentação final de João, uma testemunha-chave da oposição começou a hesitar e a contradizer seu próprio depoimento anterior.

A paciência de João, sua habilidade recém-descoberta de esperar e observar, permitiu-lhe aproveitar esse momento. Com uma calma surpreendente, ele fez as perguntas certas que levaram a testemunha a revelar uma inconsistência significativa, mudando completamente o rumo do julgamento.

João aprendeu uma lição valiosa sobre a importância da paciência na advocacia.

Ele percebeu que, assim como no ato de semear e cultivar, o êxito na advocacia requer tempo, cuidado e paciência.

 

Filosofando

A paciência tem sido elogiada por muitos pensadores ao longo da história. Sêneca, em suas “Cartas a Lucílio”, escreveu sobre a importância de controlar nossas emoções e de manter a calma diante das adversidades. Ele afirmou: “Se você deseja ser feliz, cresça em paciência; pois a paciência é a companheira da sabedoria.”

Aristóteles, em sua obra “Ética a Nicômaco”, discutiu a paciência como uma virtude do meio-termo, onde devemos equilibrar a impetuosidade e a passividade. Ele argumentou que a paciência nos permite agir com prudência e justiça, características essenciais para qualquer advogado.

No mundo moderno, o filósofo Alain de Botton destacou em seus escritos a importância da paciência na vida profissional. Em “Ansiedade de Status”, ele descreve como a ansiedade pode nos levar a decisões precipitadas e como a paciência pode ser um antídoto poderoso para a ansiedade.

 

Conselhos Práticos

Para jovens advogados, cultivar a paciência pode ser um desafio, mas é essencial para o sucesso a longo prazo. Alguns conselhos práticos:

Evite Multitarefas: Concentre-se em uma tarefa de cada vez para evitar se sentir sobrecarregado e ansioso.

Pratique a Respiração Profunda: Técnicas de respiração podem ajudar a acalmar a mente e reduzir a ansiedade.

Prepare-se Meticulosamente: A preparação minuciosa pode reduzir a necessidade de pressa e aumentar a confiança.

Aprenda com os Mentores: Observe advogados experientes que demonstram paciência e serenidade.

Enfrente a Ansiedade: Reconheça a ansiedade e busque maneiras de gerenciá-la, como através de exercícios físicos, meditação, quietude ou até mesmo terapia. Caso um profissional constate que sua pressa e impaciência são, na verdade, um transtorno de ansiedade, procure auxílio médico imediatamente.

Mantenha uma Perspectiva de Longo Prazo: Lembre-se de que a carreira jurídica é uma maratona, não um sprint. A paciência hoje pode levar a grandes recompensas no futuro.

Conclusão

A paciência é uma virtude que todos os advogados devem cultivar.

Como vimos na história de João, a impaciência pode pôr tudo a perder, enquanto a paciência pode levar ao sucesso.

Filósofos antigos e pensadores modernos nos lembram da importância dessa virtude, e os conselhos práticos acima sugeridos podem ajudar jovens advogados a desenvolver essa qualidade essencial.

Que possamos todos aprender a valorizar a paciência, a calma, a serenidade e a temperança e a integrá-las em nossas vidas profissionais e pessoais.

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