São cada vez mais frequentes as situações em que devedores de pensão alimentícia migram para os mais variados países e deixam de pagar o valor fixado por decisão brasileira.
Surge assim um dos desafios atuais nas ações de alimentos: executá-los quando o devedor reside ou oculta seus bens e informações financeiras no exterior.
Ante a crescente mobilidade internacional, a situação frustra credores que não conseguem rastrear o paradeiro do devedor que se ausenta muitas vezes sem aviso, por vezes levando consigo todo o seu patrimônio e deixando poucas informações sobre sua vida profissional nas terras estrangeiras.
No passado a missão se mostrava inglória, quase impossível.
Hoje, contudo, o desenvolvimento de instrumentos jurídicos internacionais tem tornado a execução internacional de alimentos não só possível como, em certos casos, simples e célere.
As principais Convenções sobre a matéria na perspectiva brasileira são a Convenção Interamericana sobre obrigação alimentar (Montevidéu, 1989), promulgada através do Decreto n.º 2.428/1997 e a mais recente Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos, ou simplesmente Convenção de Haia sobre Alimentos (Haia, 2007), introduzida no Brasil pelo Decreto n.º 9.176/2017 e que tornou obsoleta a Convenção de Nova Iorque de 1956.
Para os países que não aderiram à nova Convenção de Haia mas fazem parte da velha Convenção de Nova Iorque, é por meio desta que os pedidos devem ser apresentados.
Através destes diplomas internacionais, a fluidez das execuções de alimentos tem sido favorecida, em que pese a (ainda) pouca sistematização e conhecimento acerca da sua aplicabilidade e a escassa jurisprudência.
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Convenção Interamericana de Montevidéu
A Convenção Interamericana – que como evidencia o nome, une as jurisdições das Américas – consagra o princípio da prevalência do interesse do credor ao estabelecer que “a obrigação alimentar, bem como as qualidades de credor e de devedor de alimentos, serão reguladas pela ordem jurídica que, a critério da autoridade competente, for mais favorável ao credor (…)” (art. 6.º).
No contexto da Convenção de Montevidéu, a eficácia extraterritorial das sentenças sobre obrigação alimentar exige o preenchimento de uma série de requisitos formais, podendo ser resumidos à cópia autenticada da decisão ou sentença (hoje representada pela apostila de Haia), das peças necessárias para comprovar a regular citação e a observância do contraditório e do direito de defesa, e da certidão de executoriedade.
Convenção de Haia sobre Alimentos
A Convenção de Haia, mais ampla, prevê não apenas a execução, mas também a fixação e a revisão de alimentos (estabelecimento de uma decisão e sua modificação), e detalha de forma mais minuciosa os procedimentos.
Por não estar adstrita aos Estados das Américas, abrange uma maior quantidade de países, com amplo destaque para os pertencentes à União Europeia.
Pela Convenção, para que uma decisão brasileira seja executada em outro país, em regra, tanto o credor quanto o devedor devem ter residência habitual no Brasil ao tempo em que se iniciaram os procedimentos.
Se desde a petição incial o devedor reside no estrangeiro, é o caso de se buscar a fixação dos alimentos (e mesmo o reconhecimento da paternidade, se preciso) através dos mecanismos da própria Convenção.
Este pedido tramita através das Autoridades Centrais: no Brasil, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Dado o frescor e a relevância do tema, o Ministério da Justiça publicou um amplo manual para analistas que permite também aos advogados encontrar as pistas sobre a aplicabilidade prática do texto convencional.
É na dificuldade de localização do devedor ou dos seus bens que a Convenção exerce papel fundamental, ao impor às Autoridades Centrais o dever de ajudar a localizar o devedor e a obter informações pertinentes relativas à renda e outros aspectos econômicos, incluindo a localização de ativos (art. 6.º, § 2.º).
Efetivamente, a Convenção de Haia representa um avanço significativo na matéria ao ir além da cooperação através de cartas rogatórias emanadas de juízos locais a serem tramitadas por Autoridades Centrais. Há mecanismos que permitem às próprias Autoridades promoverem a tramitação do feito, numa jurisdição cuja estrutura se mostra autenticamente internacional.
Como exemplo, uma criança brasileira cujo pai reside no estrangeiro poderá ser autora em ação que tramita no foro do seu domicílio e oportunamente executará a sentença por carta rogatória, mas poderá também iniciar o processo diretamente via Autoridade Central com base na Convenção e valer-se dos seus mecanismos: retenção do salário, contas bancárias, bloqueio de pensões, e em casos extremos, até mesmo a suspensão de carteira de habilitação ou passaporte (art. 34, § 2º, al. h).
Decisões estrangeiras e a posição do STJ
No caso de sentenças estrangeiras a serem cumpridas no Brasil, o STJ tem proferido decisões que interpretam a Convenção de Haia no sentido de permitir o cumprimento de cartas rogatórias (leia-se, o reconhecimento e a execução dos alimentos) somente após a homologação da decisão estrangeira.
Trata-se de medida notadamente burocrática e passível de simplificação, que poderia encontrar um atalho nos arts. 40 e 961, parte final, do do CPC, já que o art. 23, § 2.º, da Convenção, nos diz que “a Autoridade Central Requerida prontamente transmitirá o pedido à autoridade competente que, sem demora, declarará a decisão executável ou a registrará para sua execução”.
Em nosso sentir, a disposição em sentido contrário de lei ou tratado mencionada na parte final do art. 961, caput, do CPC, está bem descrita na Convenção.
Recentemente três cartas rogatórias originárias de Portugal (Tribunais de Cascais, Pombal e Porto) receberam semelhante solução jurídica (Cartas Rogatórias n.ºs 14.361-PT, 14.129-PT e 13.444-PT):
“Recebido pela autoridade central o pedido de cooperação para execução de alimentos internacionais no Brasil (Convenção de Haia de 2007, Decreto n.º 9.176/2017), a lei brasileira autoriza que decisões estrangeiras produzam aqui efeitos depois de averbadas ou homologadas.
Sendo vedada a averbação direta, impõe-se o processamento jurisdicional do pedido. Reautue-se o pedido como homologação de decisão estrangeira”. (STJ, Carta Rogatória n.º 14.129-PT, Rel. João Otávio Noronha, 30/10/2019)
Diante da complexidade naturalmente envolvida na aplicação de uma Convenção com poucos anos de vigência na ordem jurídica brasileira, cabe aos operadores do direito que atuam no direito de família na vertente do direito internacional privado fazerem valer os mecanismos facilitadores, em benefício dos valores sociais por ela tutelados.
Com esses instrumentos, a execução de alimentos no estrangeiro com base em decisão proferida no Brasil – e vice-versa – tornou-se simplificada e desburocratizada, bastando ao advogado da parte credora saber manejar adequadamente os intrumentos jurídico-internacionais nelas estabelecidos.